terça-feira, abril 14, 2009

Obama e a economia

Durante a campanha presidencial dos EUA, a Naomi Klein publicou um artigo em que via com preocupação a aproximação do Obama e os Chicago Boys:

http://www.thenation.com/doc/20080630/klein

É sempre interessante ver um bom texto de crítica. De qualquer modo, nunca houve com o Obama a expectativa de uma mudança radical dos rumos americanos. Pelo menos de minha parte. Imagine, é inconcebível qualquer tipo de ruptura com o modelo recente. A eleição do Obama NÃO representa o retorno ao New Deal. O que podemos esperar de bom?

Que ele siga uma política fiscal decente, como o Clinton, e reverta o déficit americano produzido por Bush. Em segundo lugar, mais espaço para a diplomacia internacional. Em terceiro lugar, um melhor gerenciamento das desigualdades sociais nos EUA. Talvez eventualmente um fortalecimento da sociedade civil, nas vertentes de direitos humanos e meio-ambiente. Talvez, também, um novo alento para os sindicatos (o Wal-mart teme isso e já acendeu a luz amarela).

De revolucionário, um negro na presidência, isso no campo simbólico.

Keynes x Friedman

Não é difícil que o Obama mantenha uma linha de acordo de livre -comércio bilaterais, sem negligenciar Doha.

A adoção de uma agenda keynesiana só tem espaço nos EUA em momentos peculiares, como a crise dos anos 30 e na primeira fase da Guerra Fria. Mas isso tudo não quer dizer que o governo Obama seja ruim, até porque não se cobra que os EUA imitem o modelo europeu, não se espera isso deles. O que eu acho positivo é que o Obama é um libertário na dimensão ideológica, e isso significará a promoção de muitos direitos civis e ambientais. Ao modo americano. Ou seja, entre Keynes e Friedman, a famosa "terceira via".

Agora, qual o receio da Naomi com relação aos Chicago Boys? Cabe aqui um restrospecto.

Friedman, Chicago Boys e o Chile

É certo que a liberalização econômica chilena aumentou a concentração de renda da população. Segundo o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a partir do índice Gini, que mede a desigualdade, o Chile ocupa a 110a posição no mundo, à frente somente da Colômbia, Paraguai e Brasil.

Friedman defende o livre mercado e crê que uma sociedade que o adote tenderá para a democracia. Nessas condições, aconselhou o governo chileno, sem vínculo formal. Mas discípulos seus da Universidade de Chicago formularam a política econômica pós-golpe, resultando num desastre que forçou Pinochet posteriormente a adotar práticas anteriormente formuladas por Allende. É digno de menção que as principais minas de cobre, estatizadas por Allende, não foram privatizadas por Pinochet. É impossível vincular o chamado “Milagre chileno” às práticas neoliberais. A ditadura de Pinochet acabou em 1990 e a dinâmica econômica após duas décadas introduziu muitas variáveis que impossibilitam identificar qualquer determinante. Não se pode ignorar que o Chile hoje é um país de 16 milhões de habitantes responsável por 37% do mercado de cobre do mundo. Já foi uma nação mono-exportadora, mas ainda hoje é inegável o papel do cobre: 40% do PIB. Mesmo que o país tenha nas últimas décadas procurado diversificar sua economia (hoje: 45% mineração, 45% indústria, 10% agropecuária), o crescimento chinês e sua demanda por cobre aumenta o rendimento chileno ao mesmo tempo que sua dependência do cobre. Este é o fundamento básico da teoria das vantagens comparativas. Não é o caso aqui de justificar ou refutar os princípios de Friedman. Mas sua doutrina é ineficaz em países latino-americanos, cuja história é caracterizada por alta concentração de renda em mercados pouco complexos. Nesses casos, o Estado como mediador, na linha keynesiana, é o mais indicado.

Rússia e os Chicaco Boys

Vale lembrar também o processo de abertura econômica na Rússia, a continuação da Perestroika, que foi orientada pelos Chicago Boys. Obviamente é muito difícil fazer um país de economia planificada e com um população acostumada a isso por mais de 70 anos migrar para a economia de mercado. Mas a velocidade do processo foi muito grande, o que promoveu grandes distorções na sociedade russa. Após as crises iniciais, de inflação, desemprego e desabastecimento, ocorreu um fenômeno conhecido das idéias de Friedman. Sua premissa é que a abertura do mercado resultará na abertura política. Essa abertura política acontecerá, de fato, cedo ou tarde, mas por outras razões além do mercado. O que importa aqui é que uma sociedade fechada e planificada que adere ao livre mercado radical tende a concentrar a renda. Como eu disse, o Chile tem uma má distribuição de renda. No Brasil, a concentração foi uma iniciativa deliberada do governo. Na Rússia, a ausência de democracia e a adoção de livre mercado numa sociedade não-aberta produziu uma onda de privatizações suspeitas que concentraram a renda e o poder nas mãos de meia dúzia. O que temos hoje? A Rússia é uma democracia capenga, e possui uma quantidade razoável de novos ricos, atuais barões do petróleo e siderurgia (privatizados seguindo interesses escusos). Digno de nota é a compra do Chelsea por um desses russos, e também o recorde pago por uma casa no sul da França, efetuado por um russo anônimo. Mais uma vez, a intervenção da mentalidade liberal de mercado teve efeitos desastrosos.

China e os Chicago Boys?: exploração do próprio povo

Cansamos de ver documentários ou de ter notícias pelo jornal de como a China trata seus cidadãos. Vi outro dia na TV uma fábrica de jeans, onde 15 operárias receberam juntas US$ 0,95 por 35 calças produzidas para exportacão, trabalhando num regime de 4 horas de sono por noite e tendo a comida descontada do salário e o mesmo sendo retido até o fim da produção.

Lá é proibido reclamar, se organizar sindicalmente. O que é isso? O Estado acima de tudo! Conceito fruto de uma filosofia degenerada, em que o cidadão fica em segundo plano e a nação é um fim em si mesma. O sucesso chinês se funda na exportação de capital mão-de-obra, a mais-valia. Embora a balança comercial seja altamente desfavorável para o ocidente, há uma tolerância porque o capital que aflui para a China retorna aos EUA na compra de dólares e títulos de dívidas. Os EUA também toleram a China porque o produto chinês é usado para regular sua inflação interna e até mesmo do mundo.

Nesse caso, os chineses estão mais lendo o velho Marx e usando suas conclusões contra seu próprio povo do que seguindo os ensinamentos de Friedman. A justificativa moral da China para a auto-exploração é o bem-estar da nação, mas uma nação abstrata, dissociada do povo, o velho Leviatã.

Teremos algumas conseqüências disso tudo: concentração de renda na China, co-dependência internacional da mais-valia chinesa. No aspecto político, haverá pressão interna por mudanças, uma vez que a população cedo ou tarde despertará do engodo e protestará; o Estado chinês, absoluto, responderá proporcionalmente de modo a reprimir e manter a ordem.

No fim, a China terá de optar pela abertura política ou pelo crescimento vertiginoso.

O centrismo de Clinton

Centrismo econômico neste contexto é a tentativa de adoção de mecanismo de proteção aos trabalhadores e à população em geral, em conjunto com práticas liberais. A corrente liberal diz que a regulamentação do Estado e a presença de sindicatos contaminam o mercado e reduzem eficiência/competitividade. É importante ressaltar que os EUA são um dos piores países do mundo no que concerne a benefícios aos trabalhadores. As relações patrão/empregado são em grande maioria ad hoc, determinadas em contratos. O Wal-Mart, por exemplo, proíbe a sindicalização de seus funcionários. Caso uma unidade se sindicalize, ela é sumariamente fechada. Mas redução de custos e ganho em eficiência têm limites. Após otimizar os ganhos num bom gerenciamento e imposição de um produto no mercado, os proprietários só conseguem reduzir o valor do referido produto se pressionam nas negociações dos insumos, se pagam menos pela hora do trabalhador e se avançam sobre o meio-ambiente. Por isso o governo Bush, na maior parte dos aspectos liberal enconomicamente (digo maior parte porque foi bastante protecionista), não aceita regulamentações trabalhistas e ambientais. O paradoxo do governo Clinton foi por um lado tentar proteger mais os trabalhadores e até mesmo implantar o malfadado plano de saúde universal, mas por outro lado empenhar-se pessoalmente na viabilização do NAFTA. Até hoje não se sabe se o NAFTA foi bom ou não para os países envolvidos. Mas segundo a teoria das vantagens comparativas, um país se especializa no que produz/exporta com mais eficiência. Deste modo, muitas empresas americanas passaram a montar ou produzir seus produtos no México, gerando desemprego nos EUA. O meio ambiente também sofreu, foi nivelado por baixo, uma vez que qualquer intervenção mexicana em regulamentar práticas econômicas era enquadrado como intervencionismo de Estado na economia.

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